Para onde vai o seu esgoto?

A construção de um cinturão interceptador ao redor da Baía de Guanabara é a aposta do Governo do Estado para garantir que pelo menos 70% do esgoto produzido em 22 municípios da RMRJ e da região do Guandu seja levado para Estações de Tratamento em três anos, com captação em tempo seco. O investimento nessa metodologia aconteceria em paralelo à construção das chamadas redes separadoras absolutas, que só poderão ser concluídas muito tempo depois, em função da complexidade das obras e do grande montante de investimento necessário para garantir sua universalização.

Conheça em detalhes os planos do Governo do Estado para expandir o acesso à coleta e tratamento de esgoto por meio de parcerias público-privadas.

ForumRio.org conversou com dois especialistas para entender como funciona a captação de esgoto em tempo seco e as vantagens e desvantagens da adoção desse método.

Para onde vai o seu esgoto?

No mundo urbano ideal, há duas redes de coleta de efluentes passando sob os logradouros públicos. A primeira é a rede de esgotamento sanitário, formada por manilhas destinadas a escoar o esgoto da casa de cada morador por gravidade; estações elevatórias que bombeiam a carga para as áreas mais altas do terreno; e as estações de tratamento, onde os dejetos são tratados. A segunda teia de canos subterrâneos é responsável pela drenagem pluvial: manilhas que levam as águas da chuva diretamente para os corpos hídricos. Os bueiros são parte integrante desse sistema. Quando chove, a água lava tudo despejando em rios, lagos e baías o lixo de ruas e calçadas.

A finalidade original da captação em tempo seco, que intercepta as galerias pluviais direcionando a carga orgânica para ETEs, é servir de apoio a eventuais falhas no sistema separador absoluto, explica o engenheiro sanitarista Isaac Volschan Júnior, professor do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ele esclarece que as redes de drenagem sofrem normalmente de contaminações de fontes difusas: o cano de esgoto que estoura e vaza na calçada; óleo de automóveis e dejetos de animas domésticos que são escoados para os bueiros; e até ligações clandestinas de esgoto na tubulação pluvial fazem com que a rede de drenagem, que a princípio só escoa água limpa, seja na realidade um elemento poluidor dos rios e córregos. Além disso, em casos de mau funcionamento das bombas nas estações elevatórias, o esgoto é escoado pela rede de drenagem, que funciona assim como uma espécie de ladrão de caixa d’água.

Para evitar que os rejeitos caiam nos rios e mares em todos esses momentos, constrói-se um sistema de coleta suplementar, em geral fazendo um cinturão interceptador logo antes do corpo hídrico para servir de filtro: a carga orgânica é direcionada para a ETE, o lixo fica retido e uma água mais limpa flui para rios e praias. Esse é o chamado tempo seco que existe há décadas em Copacabana, por exemplo, e desde maio na área da Marina da Glória, por ser raia olímpica.

“Na Praia do Flamengo há quatro captações em tempo seco, outras três na praia de Copacabana, inúmeras em volta da Lagoa Rodrigo de Freitas. São intervenções no sentido de resgatar a eficiência que o sistema separador absoluto deixa de ter por conta da poluição difusa apontada. Essa é a origem da captação em tempo seco. Em Copacabana, as estações de tempo seco são para chuvas de 100 mm, 90 mm, como as que aconteceram agora (março) aqui no Rio de Janeiro. Ou seja, hidraulicamente é um sistema que protege muito as praias do Rio”, explica Volschan.

Porém, esse mundo ideal, onde a maioria dos moradores é ligada à rede separadora absoluta e o tempo seco vem reforçar a proteção aos corpos hídricos, só existe nas áreas mais ricas da capital. No resto dela e nos demais municípios da região metropolitana os índices de coleta e tratamento são reconhecidamente vergonhosos (veja abaixo a situação dos municípios mais populosos inseridos no desenho das PPPs).

O Governo aposta, no entanto, que pelo menos 50% dos moradores da RMRJ tenha ao menos o esgoto afastado de suas residências: ele está canalizado e é escoado, mesmo que não existam ETEs para tratá-lo. Isso acontece porque é comum que as prefeituras, ao asfaltar ruas, construam as redes de drenagem e que elas, na ausência de sistemas de esgotamento sanitário, acabem funcionando também para escoamento do esgoto. Ao invés de drenar água limpa da chuva, as galerias pluviais são cloacas poluentes de rios e córregos. E não é preciso ir muito longe: em pleno centro do Rio, na Avenida Presidente Vargas, é comum ver efluentes caindo pelas laterais do Canal do Mangue mesmo nos dias em que não há uma só gota caindo do céu.

Situação dos municípios mais populosos inseridos no desenho das PPPs

Município População (IBGE) Indicador de esgoto tratado por água consumida (%) Posição no ranking das 100 maiores cidades do país1
Belford Roxo 479.386 34,33 77
São Gonçalo 1.031.903 10,38 89
Duque de Caxias 878.402 4,80 91
Nova Iguaçu 806.177 0,05 92
São João de Meriti 460.711 0,00 93
Fonte: Ranking do Saneamento 2016 – As 100 maiores cidades do Brasil (SNIS 2014), elaborado pelo Instituto Trata Brasil. Considera outros dados, como acesso a água tratada, entre outros.

Decorre daí a ideia de fazer a captação de esgoto apenas em tempo seco, aproveitando a rede pluvial e construindo filtros nas calhas de alguns rios das Bacias do Guandu e da Baía de Guanabara, ligando esses pontos às ETEs. Pelo menos o esgoto que vier pelas manilhas interceptadas será tratado.

As galerias pluviais existentes, obviamente, não foram construídas para receber esgoto e sim água da chuva. Com isso, em dias muitos chuvosos, a quantidade de material passando pelas manilhas aumentará a ponto de se tornar impossível a filtragem sem vazamentos do material orgânico acumulado. O resíduo que extravasar vai parar nos rios. Daí o nome da tecnologia: o sistema só funciona bem em períodos de tempo seco.

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